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André Gonçalves·13 de fevereiro de 2019

Opinião: A liga portuguesa é uma treta

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Há muito que os sinais estão bem à frente dos nossos narizes. Alguns opinion makers, jornalistas e até antigos jogadores têm vindo a alertar para a gradual perda de competitividade da Liga NOS, mas pouco ou nada tem sido feito para reverter esta tendência.

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De vez em quando soa o alarme devido a uma ou outra goleada mais expressiva, como a recente chapa dez aplicada pelo Benfica ao Nacional. Há uma ou outra voz que se revolta contra a equipa goleada, que “é tão fraca que mete dó”, os vencedores ficam radiantes porque uma goleada enche sempre o ego e, passados quinze dias, volta tudo ao normal e já ninguém se lembra das assimetrias no futebol nacional.


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Os sintomas que demonstram que o futebol português padece de uma doença crónica são muitos. Vamos por pontos, para facilitar a longa enumeração que se segue.


Pior liga a distribuir receitas da TV

O mais recente estudo levado a cabo pela UEFA revela que o campeonato português é o que apresenta maior disparidade na distribuição das receitas televisivas. O relatória da UEFA revela: “Portugal é a única maior liga europeia em que os clubes vendem os seus direitos televisivos individualmente, o que se reflete na enorme diferença entre os três principais clubes e os restantes. O rácio de um clube grande para clube médio é superior a 1500 por cento em Portugal, comparado com uma média de 240 por cento nas 24 ligas com venda centralizada”.

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O campeonato português é o sétimo maior mercado de direitos televisivos no continente europeu e, em 2017, rendeu um total de 126 milhões de euros. Acima de Portugal, encontramos a Turquia (295 milhões de euros) e, naturalmente as cinco ligas principais na Europa. Por ordem crescente, França, Alemanha, Itália, Espanha e Inglaterra.

A descentralização dos direitos televisivos é nociva para o futebol português e serve apenas o interesse dos três grandes. O futebol português deve muito a Benfica, Sporting e FC Porto, mas não pode viver em função dos três gigantes. Se os demais clubes tiverem mais receitas, poderão ter melhores equipas, melhores instalações, melhores academias, contribuindo para o aumento da qualidade do futebol português em bloco.


Liga menos competitiva da Europa

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É certo que a luta pelo título tem sido mais ou menos equilibrada nas últimas temporada. Contudo, o fosso entre grandes e as demais equipas é abissal em Portugal. A espaços, Braga ou Vitória de Guimarães conseguem bater o pé à hegemonia da tríade, mas em termos relativos, a liga continua a ser extremamente desequilibrada.

Segundo o CIES Football Observatory, o clube que se sagra campeão em Portugal conquista, em média, cerca de 84% dos pontos em disputa, o valor mais elevado na Europa. Isto significa que as equipas grandes raramente perdem pontos para os “mais pequenos”, tornando a liga previsível e pouco entusiasmante.

Neste particular, Portugal supera as também desequilibradas ligas de Espanha (82%) e Escócia (80%).


Ausência de público nos estádios

A liga portuguesa é apenas a décima liga na Europa no que respeita à média de assistência por jogo. Para além das cinco maiores ligas, acima de Portugal podemos encontrar Holanda, Escócia, Rússia e Turquia.

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Os portugueses adoram futebol e adoram os seus clubes, mas isso não se traduz , de forma directa, em público nos estádios. Os três grandes possuem uma média interessante e no Minho há um extraordinário fenómeno chamado Vitória Sport Clube. Os demais clubes exibem assistências médias baixas e apenas o Marítimo apresenta uma taxa de ocupação superior a 60%. Os dados abaixo são da Liga de Clubes.

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A maioria dos adeptos do futebol afirma que o preço dos bilhetes, os horários dos jogos e a falta de segurança são as principais razões pelas quais deixou de ir ao futebol. É urgente responder às necessidades dos adeptos e criar um plano de resolução para estes problemas.

É sabido que o poder de compra em Portugal não é alto. Como tal, há que adaptar o preço dos bilhetes de acordo com a realidade económica vivida no país. O futebol não pode deixar de ser um desporto de massas porque o cidadão-comum não tem a possibilidade de ver futebol ao vivo. Pagar um só bilhete até pode não parecer uma quantia muito avultada, mas se uma família quiser ir ao futebol, o orçamento torna-se proibitivo para a generalidade dos portugueses.

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Os horários das partidas devem adaptar-se às necessidades do espectador. É impensável, por exemplo, que a liga insista na realização de partidas em horários tardios nas noites de domingo ou segunda-feira. Na Segunda Liga entramos no domínio do absurdo e é comum haver jogos em dia de trabalho, a começarem a meio da tarde.

Finalmente, a eterna questão da falta de segurança em recintos desportivos. A recente invasão a uma Academia, a ilegalidade de algumas claques ou o comportamento miliciano de grupos organizados não deixa ninguém confortável num estádio. O enraizamento dos ultras no futebol português afasta, sobretudo, famílias, mulheres e jovens dos estádios.


Espectáculo relegado para segundo plano

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Com a ajuda dos nossos colegas do GoalPoint, podemos chegar à conclusão que a Liga Portuguesa está entre os campeonatos com menos golos, dribles, passes para finalização e remates à baliza. É certo que o futebol é muito mais do que apenas acção no último terço do terreno, mas estes indicadores estatísticos são alarmantes.

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Por outro lado, a componente física e a capacidade de choque assume demasiado protagonismo no nosso campeonato. Nenhuma liga possui uma média de faltas por jogo tão elevada quanto a portuguesa: 32,1. A Liga NOS é também o campeonato onde se disputam mais bolas pelo ar e possui a maior percentagem de passes falhados. Todos este elementos contribuem para o enfraquecimento do espectáculo futebolístico.

O tempo útil de jogo em Portugal é também o pior entre as ligas na Europa. Dos 90 minutos, apenas 50,9% (em média) são utilizados para efectivamente jogar futebol. A melhor liga europeia é a sueca, com 60,4%, seguida da holandesa (58,6%) e da Bundesliga (58,5%).


Estratégias de comunicação desastrosas

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A comunicação institucional no futebol português é tóxica, roça a má-educação e prejudica gravemente a imagem da modalidade. O constante clima de guerrilha vivido e cultivado pelos clubes é absurdo e devia envergonhar todos os envolvidos.

Os clubes manipulam a paixão inerente ao futebol para criar uma clivagem entre os adeptos e gerar ódios com base no insulto gratuito. Alguns directores de comunicação são autênticas superstars das redes sociais e a comunicação social é conivente com estas estratégias nocivas porque sabe que, em plena era digital, o ódio “vende” como nunca.

O que todos parecem querer ignorar é que este clima tóxico contribui para o afastamento de alguns amantes da modalidade, ridiculariza o futebol português no estrangeiro e desvaloriza o produto.


Clima de suspeição na arbitragem

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Seria de esperar que a relação entre clubes e árbitros melhorasse com a introdução do VAR, mas a verdade é que nada mudou. A arbitragem em Portugal não é brilhante e tem de melhorar, tal como no resto da Europa. Há uma crise global na arbitragem, que se prende genericamente com deficiências na formação de jovens árbitros.

A ajuda tecnológica é importantíssima para que o futebol evolua e os árbitros assumem um papel capital neste processo. Os clubes têm direito em discordar de algumas decisões dos juízes da partida, mas há que eliminar de vez o clima de suspeição sobre os agentes do apito. Os vocábulos e o tom com que alguns clubes manifestam a sua insatisfação não são dignos de uma sociedade civilizada e põe em causa a credibilidade do futebol português.


A justiça e o futebol

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Primeiro foi o Apito Dourado, depois o Apito Final. Dois casos que abalaram os alicerces do futebol nacional, envolvendo clubes como o FC Porto ou o Boavista. Mais recentemente, surgiu o Cash Ball, com o Sporting no epicentro. O Benfica aparece ligado ao E-Toupeira, Mala Ciao, Jogo Duplo ou até no caso Lex.

São tantos, são demasiados casos que envolvem importantes instituições nacionais e afectam a credibilidade do futebol português. Ainda que a justiça prove a inocência dos envolvidos, a imagem da modalidade ficará, indubitavelmente, fustigada. O futebol é, cada vez mais, visto como uma indústria suja, recheada de gente com poucos escrúpulos.

Independentemente da decisão da justiça nestes casos, haverá sempre um exercício de subjectivação do sistema judicial por parte dos adeptos, em função do clube que apoiam. Se o clube adversário for condenado, “a justiça ainda funciona neste país”. Caso não haja condenação, “a justiça em Portugal é uma vergonha”.


Ainda há esperança?

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Ainda que escassa, há esperança num futuro melhor. Será impossível efectuar uma mudança de vulto no futebol português em meia dúzia de anos e é muito provável que seja necessário uma renovação total dos agentes (dirigentes, directores de comunicação, empresários, etc) por forma a impulsionar uma revolução na modalidade.

Mas o primeiro passo tem de ser dado de imediato. O campeonato português tem talento, potencial e matéria prima para se tornar referência em termos internacionais.

Para atingir um patamar elevado é necessário um plano de vulto que envolva a Liga, FPF, clubes, técnicos, atletas, árbitros e instituições governamentais. Se todos se unirem em torno do bem comum, há esperança. Se cada uma continuar mais preocupado com os interesses pessoais do que com o bem da Liga, estamos condenados a ser ultrapassados por outras ligas periféricas europeias em ascensão.


Este artigo foi escrito em português de Portugal